Em 11 de abril de 2019, o Governo Federal editou o Decreto 9.760 alterando o Decreto 6.514/2008, que trata das infrações administrativas ambientais e o processo de apuração das mesmas.
A principal novidade observada foi a oferta ao administrado autuado da possibilidade de participar de uma de audiência de conciliação ambiental, antes da abertura do prazo para apresentação de defesa.
Visando regulamentar e implementar tais modificações, o IBAMA em conjunto com o ICM-Bio, editou a Instrução Normativa conjunta nº 02 de 29 de janeiro de 2020.
Destacam-se, nesta instrução normativa, os seguintes pontos em relação a nova fase conciliatória do procedimento administrativo:
Internamente no órgão ambiental, após ser lavrado o auto de infração, o mesmo será enviado a Equipe de Análise Preliminar do Núcleo de Conciliação Ambiental para realizar uma análise preliminar da autuação que convalidará o auto que apresentar vício sanável, declarará nulo aquele que contiver vício insanável, analisará a possibilidade da conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do ambiente, analisará a regularidade da notificação do autuado e decidirá sobre a manutenção das medidas cautelares e sobre aplicação das demais sanções.
Trata-se de uma etapa que visa regularizar a autuação, caso haja necessidade ou anular de pronto o procedimento quando houver vício insanável.
Após essa análise, a Equipe de Análise Preliminar emitirá um parecer fundamentado, sem caráter vinculativo, que será enviado à Equipe de Condução de Audiências de Conciliação – ECAC.
Já o autuado, por ocasião da lavratura do auto de infração, será notificado para, querendo, comparecer ao Núcleo de Conciliação Ambiental (NUCAM) a fim de participar da audiência de conciliação no dia e hora agendados, que deverá ser no mínimo 30 (trinta) dias após a lavratura do auto.
Enquanto não se realizar a audiência, o prazo para defesa estará suspenso, mas as medidas cautelares adotadas pela fiscalização terão eficácia imediata.
Hipótese diversa se dará caso o autuado renuncie à audiência de conciliação, oportunidade em que o prazo para defesa começará a contar da data do protocolo da declaração de renúncia junto ao órgão ambiental.
A audiência de conciliação será informada pelos princípios da informalidade, oralidade, imparcialidade, respeito a livre autonomia do autuado, economia processual, celeridade e decisão informada.
Na audiência, que pode ser realizada por meio eletrônico, o autuado poderá comparecer pessoalmente, ser representado e estar acompanhado ou não por advogado ou outra pessoa que escolha.
Por ocasião da audiência ainda, serão comunicadas ao autuado as razões de fato e de direito que ensejaram a lavratura do auto de infração, bem como informadas as soluções legais passiveis de encerrar o processo, tais como desconto para pagamento, parcelamento, conversão do valor da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente.
Caso o autuado aceite alguma das soluções apresentadas pelo órgão deverá, necessariamente, desistir de impugnar administrativa ou judicialmente a autuação.
Interessante, contudo, notar, que existe ainda a previsão do autuado concordar com a conciliação de forma parcial, apresentando defesa quanto a uma ou mais das medidas cautelares e sanções aplicadas e concordando com as demais que serão objeto de conciliação.
Na prática, espera-se que uma equipe independente e imparcial – o Núcleo de Conciliação Ambiental não poderá ter os trabalhos presididos por servidor integrante do órgão ou da entidade que tenha lavrado o auto de infração – que analise previamente as autuações efetuadas pelo órgão ambiental, diminua sensivelmente o número de processos em trâmite, vez que não é raro deparar-se com autuações repetidas, lavradas por agentes incompetentes, prescritas, com erro na indicação do autor do fato, entre outras irregularidades que poderão agora, em vista da fase de conciliação, abreviar a vida de procedimentos fadados à extinção ou à sobrevida.
Assim, a mudança evidenciada na legislação, regulamentada pela Instrução Normativa Conjunta IBAMA ICMbio 002/2020, vem em boa hora a sedimentar a tendência de fortalecimento das políticas de autocomposição.
Importante notar, que embora a citada instrução normativa busque restringir os temas a serem tratados e as formas de solução de conflitos admitidas na fase conciliatória, reduzindo as opções do autuado, entendemos, noutro rumo, que estariam vedadas apenas as soluções e alternativas que de alguma forma violassem direitos indisponíveis.
Em que pesem as opiniões contrárias à utilização das formas alternativas de solução de conflitos nas questões ambientais face a indisponibilidade dos direitos envolvidos, nota-se uma forte tendência existente na sociedade e no meio jurídico de considerar tal hipótese viável.
Nesse sentido, note-se que a solução pacífica dos conflitos é um dos princípios que regem a República no tocante as suas relações internacionais, o que deixa antever, portanto, que tal princípio, se está indicado para as relações internacionais, deve também amparar os tratos internos (art. 4º, inciso VII da CF).
Por outro lado, no plano infraconstitucional observe-se que o art. 3º da Lei 13.140/15, consigna expressamente ser possível a autocomposição sobre direitos indisponíveis: “Pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação.”
O próprio CPC/15 instiga juízes, advogados, defensores públicos e membros do ministério público seja dentro ou fora do processo judicial, a promover e estimular a solução consensual dos conflitos através de métodos de autocomposição.
A análise desse tema não pode desprender do aspecto da efetividade das medidas que utilizem a autocomposição como norte.
De nada adianta proteger o meio ambiente de forma cega e obstinada no processo sem que se consiga alcançar ações efetivas de proteção do bem jurídico tutelado na prática.
Exemplo contundente desse raciocínio é a famosa ação civil pública proposta na década de 80 pelo Ministério Público de São Paulo, na cidade de Cubatão contra 24 empresas rés, cuja sentença foi prolatada somente em 18/09/2017, estando tal processo, atualmente, em grau de recurso com 24 apelações para análise do TJSP (Processo nº 0000025-24.1986.8.26.0157).
Considerando-se que o ideal da vida, a prevenção, revela-se ainda um objetivo difícil de ser alcançado e que as controvérsias são inevitáveis, há de se privilegiar as soluções que apresentem maior eficácia.
O engessamento das relações e a compressão das vias de escoamento das soluções viáveis representam, em última instância, grave prejuízo ao meio ambiente e ao ser humano que depende do meio ambiente sadio para viver bem.
A edição da Lei 13.140/15 parece significar que o próprio Estado reconhece que persistir na inflexibilidade, privilegiar a relação burocrática, lenta e ineficaz, continuar a admitir-se o monopólio do Estado-Juiz como o único habilitado a tratar das questões que envolvam o meio ambiente, não é mais uma solução viável.
Desde que a saída encontrada por meios alternativos não importe na relativização da reparação do ambiente antropizado e/ou no caráter de inalienabilidade do bem ambiental, não nos parece razoável negar a alternativa.
Ademais, pensando a questão de forma macro, o que seria uma licença ambiental senão a permissão do uso de um bem indisponível.
Ora, se o órgão ambiental tem competência para permitir o uso e/ou aproveitamento de determinado bem ou substância que em teoria, são indisponíveis, por quais motivos lhe seria negada a possibilidade de transacionar sobre as alternativas de proteção e reparação desses mesmos bens?
Aliás, parece-nos que é, efetivamente, o órgão ambiental, quem detém as melhores condições técnicas de definir meios, estratégias e práticas mais avançadas, céleres e eficazes com o fim de ver a questão ambiental devidamente equacionada.
Nesse rumo, em boa hora adentram ao mundo jurídico o Decreto 9.760/2019 e a Instrução Normativa Conjunta IBAMA ICMbio 002/2020, nos quais observamos que a autocomposição é um dos novos instrumentos utilizados com o fim de dar solução rápida e efetiva aos processos administrativos ambientais.